Ângela Carrato – Jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG
É tempo de balanço. Dezembro quase chegando ao fim e o primeiro ano do terceiro governo Lula também.
Se você, leitor (a), se pautar apenas pelo que tem sido publicado pela mídia corporativa – jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão controlados por meia dúzia de oligarcas -, sua avaliação será a pior possível.
A autointitulada “grande mídia” que, na prática, não passa de velha mídia, continua firme no propósito de fragilizar o governo Lula. Fragilização cujo objetivo é garantir que tudo continue como dantes, desconsiderando, como sempre fez, a vontade da maioria da população brasileira que, em 2022, derrotou o fascismo e o neoliberalismo.
Essa mídia que não queria a vitória de Lula, que não queria a sua posse e que agora quer que o governo não dê certo, desinforma descaradamente.
São inegáveis os avanços deste primeiro ano de governo, especialmente quando se leva em conta a situação destroçada em que o Brasil e a maioria da população brasileira se encontravam.
Para os que têm memória curta, basta lembrar que o desemprego no governo anterior bateu em 14%, a economia estava estagnada, a inflação em alta e havíamos nos tornado pária internacional, além do saldo de 700 mil mortes por negligência e negacionismo do próprio Bolsonaro. O Brasil era ridicularizado e não havia empresa ou instituição minimamente séria pensando em investir aqui.
Além de ter esquecido rapidamente tudo isso, a mídia corporativa tem atacando o que dá certo e feito de tudo para convencer que a extrema-direita com seu “estado mínimo” e “privatizações generalizadas” é a solução para o Brasil.
Uma síntese de como esta mídia age fica visível na chamada de capa da edição da revista Veja desta semana. Sob o título de “Dragão Domado”, a publicação faz apologia à atuação do Banco Central sob a presidência do ultraliberal Roberto Campos Neto, atribuindo à instituição ter “resistido às pressões políticas”, o que “teria garantido a manutenção da inflação dentro do centro da meta”.
A publicação, controlada pelo sistema financeiro, acrescenta que é a primeira vez que isso acontece desde a pandemia e que “gastos desenfreados do governo em 2024 podem comprometer essa conquista”.
Mais mentiroso impossível!
Indicado por Bolsonaro, Campos Neto foi, junto com a própria mídia e os golpistas do 8 de janeiro, um dos braços através dos quais se tentou travar o governo Lula. Atrapalhou bastante, mas não deu certo.
Lula, ele próprio, precisou denunciar a absurda situação de o país ter os maiores juros reais do mundo e pressionar para que fossem baixados. A revista Veja esconde que a redução desses juros – a quarta do ano – é uma vitória de Lula. Eles ainda estão nas alturas – 11,75% -, quando deveriam ser, no máximo, 8%.
Para a turma que acha que existiam outros caminhos, como, por exemplo, mudar o presidente do Banco Central, é preciso lembrar que o novo nome precisaria ser aprovado pelo Senado. Em uma área tão sensível, Lula preferiu não arriscar e seguir pressionado e substituindo, na medida que a lei possibilita, os demais cargos de diretoria da instituição.
Os bilionários e o mercado financeiro – aquele que não produz nada e vive da especulação – querem os juros na estratosfera. Parcela da classe média, que cai no canto de sereia midiática e se acha rica, também. Já os assalariados e a maioria da população, se tivessem consciência e a mídia os informasse adequadamente, deveriam estar nas ruas exigindo o fim da especulação. Até porque o dinheiro que vai para o pagamento da dívida pública junto ao sistema financeiro é o mesmo que sempre faltou para projetos sociais e para investimento em políticas públicas.
Para a elite e parcela da classe média alta, talvez não faça diferença existir transporte público, saúde e educação públicas, além de emprego. Mas para a maioria da população, isso é vital. Não por acaso essa mídia tenta indispor todos os governos progressistas com esse contingente e o temor da “gastança” e o fantasma da inflação são sempre invocados.
No governo Dilma Rousseff o Brasil ia bem e a economia bombava, mas a mídia tanto falou que estávamos em crise, que realmente se forjou uma crise. O resultado é conhecido: golpeou-se uma presidente competente, honesta e comprometida com os interesses da maioria do povo brasileiro, para colocar em seu lugar tipos como Michel Temer e Jair Bolsonaro.
Ainda sobre a revista Veja, em sua edição de São Paulo, a campanha contra os interesses da maioria continua. A chamada de capa foi a entrevista de uma diretora da Sabesp (a estatal paulista de saneamento), que teve a cara de pau de dizer que “a privatização da empresa vai agilizar a contratação de obras”.
O governador bolsonarista de São Paulo, Tarcísio de Freitas, conseguiu que o Legislativo aprovasse esta privatização. A luta contra a medida, no entanto, está longe do fim. Os prejuízos para a população serão enormes, haja vista que a privatização da estatal de energia elétrica paulista trouxe como consequência a falta de luz para amplas parcelas da população em pleno século XXI.
A mídia noticiou o caos e o drama dos consumidores sem energia em suas casas e locais de trabalho, mas sem fazer a necessária relação dela com a privatização, uma vez que os novos donos da empresa queriam o máximo de lucro sem investir um centavo.
Se a Sabesp for privatizada não será diferente.
Outros casos gravíssimos de atuação de empresas privatizadas ou quase, que a mídia esconde, são os crimes humanos e ambientais da mineradora Vale em Bento Rodrigues e Brumadinho, em Minas Gerais, e o da Brasken, em Maceió. A Vale matou mais de 300 pessoas, destruiu um rio e parte do território central do estado, enquanto a Brasken, está afundando áreas na capital de Alagoas.
No caso da Brasken, trata-se de uma consequência direta da atuação antinacional da Operação Lava Jato. Fruto da parceria entre a Odebrecht e a Petrobras, a empresa, que chegou a ser um gigante na área de resinas termoplásticas e líder mundial na produção de biopolímeros (essenciais para a fabricação de sacolas plásticas, colas, isopor e embalagens). Ela, no entanto, quase sucumbiu diante dos interesses estadunidenses, enquanto a Petrobras era fatiada e vendida aos pedaços, até o governo Lula assumir e estancar o processo.
Sintomático não ter uma palavra na mídia sobre a real situação da Brasken e, menos ainda, sobre os crimes cometidos contra a Petrobras, a maior e mais importante empresa estatal brasileira. Empresa que sob o governo Lula, retoma o histórico papel de indutora do desenvolvimento.
Outras importantes vitórias do governo Lula, nesta semana, são escondidas pela mídia corporativa. É o caso da aprovação de uma reforma tributária, a primeira num governo democrático em toda a história do país. A mídia tentou descontruir esta relevância ao valer-se de manchete como a do Estado de S. Paulo: “Maior reforma tributária desde a ditadura passa no Congresso”. Para quem entende um mínimo de linguística, fica nítido que a palavra mais forte na frase é ditadura. Uma forma sutil para tentar desautorizar um governo democrático.
Dito de outra forma: uma vitória importantíssima do governo é apresentada como algo negativo. Mais um exemplo de como a mídia, mesmo quando noticia um fato positivo, pode fazê-lo associando-o a algo negativo.
E isso não foi feito apenas pelo autointitulado “Estadão”. A Folha de S. Paulo, na mesma linha, publicou o assunto em manchete, mas sem se referir ao governo Lula: “Reforma que simplifica impostos no Brasil vai à promulgação”. O sujeito oculto, como se percebe, é Lula.
O caso mais emblemático é o de O Globo: “Brasil moderniza sistema de impostos após quatro décadas”. Uma maneira de negar o mérito ao governo Lula e de negar, no extremo, o próprio governo Lula. Mais um caso de frase em que o sujeito da ação está oculto.
Ainda na capa de O Globo, a charge trás um Haddad ao lado de Lula, com o presidente perguntando: “até quando dá para irmos com déficit zero, Haddad?” Aparentemente bem humorada, a questão aponta para uma visível tentativa de intrigar e opor ministro e presidente.
Não por acaso, na média corporativa, o nome de Lula só aparece em destaque quando é possível associá-lo a algo negativo. É o que fez, na sexta-feira (15), também o jornal Valor Econômico, do grupo Globo, ao manchetar: “Congresso derruba veto de Lula e desoneração prevalece até 2027.”
Para a derrubada deste veto, a mídia corporativa atuou em causa própria, pois ela integra um dos 17 setores da economia que terão impostos reduzidos até 2027. Mais ainda: ela mente quando afirma que estes são setores que contratam intensivamente mão de obra e que isso vai gerar mais empregos. O grupo Globo, por exemplo, tem demitido em todas as suas áreas e os cortes estão longe de chegarem ao fim. As empresas de mídia do Grupo Marinho estão incluídas em um dos setores desonerados, o das comunicações.
Se a aprovação da reforma tributária foi, sem dúvida, um marco importante para o governo Lula, no plano politico o destaque ficou para o show de competência e a aprovação do nome do atual ministro da Justiça, Flávio Dino, para o STF. Sabatinado por quase 10 horas, ele deixou exposta a má fé e golpismo de parte da oposição, escancarada em questões colocadas para Dino, a começar se ele considerava fake news crime.
Em síntese, a semana que terminou sintetiza bem como a mídia corporativa atuou em 2023. Depois de fazer de tudo para que a indicação de Dino se transformasse em derrota para Lula, minimizou a vitória do presidente e desapareceu com o assunto.
Pode-se dizer o que quiser, mas foi no primeiro ano do terceiro governo Lula que um brilhante militante comunista chegou a mais alta corte do país.
Com a economia dando sinais de que vai crescer mais ainda no próximo ano, não é de se estranhar que a oposição bolsonarista e a mídia corporativa se mostrem perto do desespero.
Afinal, se a economia vai bem, no plano interno, a diplomacia de Lula, no externo, vai melhor ainda. Sem maiores alardes, os presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e da Guiana, Irfaan Ali, se encontram, para uma reunião na quinta-feira. Ficou patente que o tal risco de uma guerra na América do Sul nunca passou de mais uma fake news de setores estadunidenses e até de brasileiros. Os mesmos que sempre apostam e trabalham para o caos.
É por essas e outras que vamos precisar ficar cada dia mais atentos para distinguir verdades de mentiras. Distinguir quem trabalha em defesa do Brasil e quem quer seguir atuando segundo apenas seus próprios interesses e contra o povo brasileiro.