O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) está prestes a votar, na próxima segunda-feira (23), uma resolução que visa estabelecer diretrizes para o atendimento de crianças e adolescentes que tenham direito ao aborto legal no Brasil. A proposta busca garantir um acolhimento humanizado e especializado para esses casos, mas enfrenta forte oposição de parlamentares e influenciadores ligados à direita, incluindo integrantes do Partido Liberal (PL), que tentam impedir sua aprovação.
O Conanda é um órgão deliberativo composto por 28 integrantes — metade representando a sociedade civil e a outra metade composta por membros do governo. Ele é responsável por criar, fiscalizar e regulamentar políticas públicas destinadas à proteção e promoção dos direitos de crianças e adolescentes, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Suas resoluções possuem força de lei, o que as torna juridicamente vinculantes.
No Brasil, o aborto é permitido em três situações específicas: quando a gestação resulta de estupro, quando há risco de vida para a gestante e nos casos de fetos diagnosticados com anencefalia. Além disso, a legislação brasileira considera qualquer relação sexual com menores de 14 anos como estupro de vulnerável, o que automaticamente possibilita o acesso ao aborto legal nessas situações.
A resolução proposta pelo Conanda detalha os procedimentos que devem ser seguidos para garantir o direito ao aborto legal em menores de idade, especialmente em situações de resistência ou divergência por parte dos responsáveis legais. Em casos nos quais a presença dos responsáveis possa causar danos físicos, mentais ou sociais, o documento prevê que o profissional de saúde priorize a vontade da criança ou adolescente, respeitando seu direito de decidir, desde que possua capacidade para isso. Caso a divergência entre a menor e os responsáveis persista, a recomendação é de acionar a Defensoria Pública ou o Ministério Público.
Além disso, o texto reforça que o poder familiar deve ser exercido com o objetivo de proteger a saúde física, mental e social dos menores, e destaca que a decisão da criança ou adolescente deve ser respeitada, sem coerção ou influência externa.
O debate em torno da resolução mobilizou deputados do PL, que iniciaram uma ofensiva contra a proposta. Nikolas Ferreira (PL-MG), um dos líderes da oposição à medida, afirmou em uma postagem recente que protocolou uma indicação para que a ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, rejeite a resolução. O deputado também ameaçou entrar com um mandado de segurança caso o Conanda aprove o texto.
Outro nome de destaque na oposição é a deputada Julia Zanatta (PL-SC), que apresentou um projeto de lei com o objetivo de restringir as atribuições do Conanda, impedindo-o de discutir qualquer tema relacionado ao aborto em crianças e adolescentes. Já Gustavo Gayer (PL-GO) protocolou uma moção de repúdio contra o conselho, demonstrando sua insatisfação com a proposta em análise.
A votação da resolução já havia sido adiada em novembro, após um pedido de vista feito por representantes do governo no colegiado. Com a nova data marcada, as movimentações para barrar a aprovação ganharam força, ampliando o embate político em torno do tema.
O texto da resolução foi elaborado em resposta a episódios recentes que chocaram a sociedade brasileira. Um dos casos de maior repercussão ocorreu em 2020, quando uma menina de apenas 10 anos, vítima de estupro pelo próprio tio, enfrentou resistência de conservadores para realizar o aborto legal. Na ocasião, a criança precisou ser levada a um hospital de forma sigilosa para evitar confrontos com manifestantes contrários ao procedimento.
Outro episódio marcante aconteceu em julho deste ano, quando uma adolescente de 13 anos foi impedida pela Justiça de interromper a gestação, após seu pai ter feito um acordo com o estuprador para que ele assumisse a paternidade. Situações como essas reforçam a necessidade de diretrizes claras para proteger os direitos das crianças e adolescentes, tema central da proposta do Conanda.
Além das orientações específicas para o aborto legal, a minuta estabelece outras medidas relevantes. Uma delas é a obrigatoriedade de cada mesorregião dispor de pelo menos um equipamento de saúde capacitado para realizar o procedimento, reduzindo a necessidade de transferências entre municípios. A resolução também determina que as vítimas de violência sexual sejam acolhidas por meio de uma escuta especializada, realizada de maneira sensível e sem julgamentos.
O documento ainda reforça a obrigatoriedade de comunicação de casos de violência sexual às autoridades competentes, como o Conselho Tutelar, a autoridade sanitária e a polícia, mas deixa claro que essa notificação não deve ser uma condição para a realização do aborto legal.
Por fim, a resolução aborda o direito ao sigilo e à proteção da vontade da criança ou adolescente que opte pela entrega protegida de bebês nascidos em situações de vulnerabilidade. Nesse contexto, a decisão deve ser respeitada, sem a imposição de contato com o recém-nascido ou sua entrega a familiares contra a vontade da menor.
A análise da resolução pelo Conanda ocorre em um momento de crescente polarização política no Brasil, especialmente em temas ligados aos direitos das mulheres, crianças e adolescentes. Se aprovada, a medida poderá representar um avanço significativo na garantia de direitos e no enfrentamento de violações relacionadas ao aborto legal em menores de idade. No entanto, a resistência de setores conservadores indica que a implementação da resolução será alvo de intensos debates e possíveis judicializações.
Foto: Montagem