A Polícia Federal alegou “riscos concretos” de vazamento de informações sigilosas no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para justificar o pedido de transferência de um inquérito para o Supremo Tribunal Federal (STF). A solicitação, apresentada ao ministro Cristiano Zanin, refere-se a um caso que investiga justamente a divulgação indevida de dados sobre operações policiais em andamento, supostamente oriundos de gabinetes do STJ. A apuração, segundo a PF, não mira diretamente ministros da corte.

Em documento sob sigilo, a corporação declarou que, diante da gravidade da situação, a única alternativa possível seria provocar a atuação excepcional do STF, para garantir a integridade da investigação. “A investigação visará desvendar a origem e os respectivos responsáveis pelo vazamento de informações relacionadas a investigações sigilosas supervisionadas pelo STJ, especialmente envolvendo futuras deflagrações de operações policiais”, explicaram os delegados no pedido.

A solicitação da PF embasou a fase mais recente da Operação Sisamnes, inicialmente criada para investigar suspeitas de venda de decisões judiciais envolvendo o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves. Nesta nova etapa, não há indícios do envolvimento direto de Andreson. O foco são os indícios de vazamentos oriundos de gabinetes do STJ.

A PF identificou as suspeitas ao analisar celulares apreendidos durante a Operação Maximus, que apura a comercialização de decisões no Tribunal de Justiça do Tocantins. Em uma ligação telefônica gravada em junho de 2024, um sobrinho do governador Wanderlei Barbosa (Republicanos) conversa com um desembargador sobre “companheiros em Brasília” que estariam monitorando informações do STJ. O interlocutor faz menção a conteúdos relacionados à própria Maximus e a outra operação que apura desvios na distribuição de cestas básicas durante a pandemia.

Essas operações, no entanto, só foram deflagradas dois meses depois da gravação, em agosto de 2024, levantando a suspeita de que houve vazamento antecipado de informações.

A Polícia Federal solicitou ao ministro Zanin autorização para conduzir diligências relacionadas à apuração do vazamento, incluindo prisão preventiva, buscas e apreensões, e análise dos materiais coletados. No pedido, os delegados argumentaram que, embora não existam evidências de que ministros com foro privilegiado tenham cometido irregularidades, o contexto da investigação requer a atuação do STF para garantir sua eficácia.

De acordo com os investigadores, há forte possibilidade de que os vazamentos tenham partido do próprio STJ, inclusive de gabinetes ministeriais. Diante desse cenário, solicitaram ainda que o ministro reconhecesse a vinculação entre a nova apuração e o escopo da Operação Sisamnes, o que abriria caminho para a unificação dos processos sob supervisão do Supremo.

A Procuradoria-Geral da República (PGR), ao ser consultada, manifestou que enxerga “estreita relação” entre os fatos investigados neste novo inquérito e o caso original sobre venda de decisões no STJ.

Em decisão tomada em 17 de março, Zanin autorizou a realização das buscas e apreensões e solicitou manifestação da PGR sobre a conexão entre os fatos investigados no STJ e aqueles apurados em operações que envolvem o Judiciário do Tocantins. Se confirmada a vinculação, toda a investigação seria deslocada para o STF.

Na fundamentação da decisão, Zanin apontou que os fatos apurados no STJ estão relacionados a uma possível organização criminosa estruturada para vender decisões judiciais e informações confidenciais. O ministro do Supremo destacou que o modus operandi observado guarda semelhança com os elementos da Operação Sisamnes e da Maximus, e reforçou que ambos os casos se inserem num contexto mais amplo de investigação envolvendo o Judiciário e o Ministério Público estadual.

Hoje, tramitam no STF investigações que envolvem gabinetes de ao menos quatro ministros do STJ: Og Fernandes, Isabel Gallotti, Nancy Andrighi e Paulo Moura Ribeiro, todos citados em inquéritos sobre a venda de decisões.

Na mais recente fase da Sisamnes, foi cumprido um mandado de prisão contra Thiago Barbosa de Carvalho, sobrinho do governador do Tocantins. O próprio chefe do Executivo estadual não foi alvo da operação. Também foram executados quatro mandados de busca e apreensão. Durante as diligências, a PF encontrou cópias de inquéritos em um computador utilizado por Thiago, reforçando a suspeita de acesso indevido a dados confidenciais.

Zanin justificou a decisão de deflagrar a operação como uma resposta à gravidade dos fatos apresentados pela PF, que, de acordo com o ministro, envolvem inclusive a menção, verdadeira ou não, a magistrados do STJ.

Procurado, o STJ informou por nota que não se pronuncia sobre investigações em curso em outros tribunais.

Já o governador Wanderlei Barbosa declarou que nunca recebeu informações privilegiadas. Segundo ele, seus advogados tinham acesso regular ao inquérito que apura a suposta fraude na distribuição de cestas básicas desde abril de 2024, o que, segundo ele, antecede a conversa interceptada entre o desembargador e seu sobrinho. A defesa de Thiago Barbosa não se manifestou até o momento.

 

 

Foto: Marcello Casal Jr /Agência Brasil