Os moradores do Rio não são mais obrigados a usar a máscara, de acordo com decreto publicado nesta segunda-feira (7). A discussão já ocorre em outros estados, como São Paulo, mas é controversa: a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) diz que a decisão é precipitada.

Especialistas ouvidos pelo g1 alertam que, ao menos para alguns grupos de risco, o fim do uso do equipamento de proteção é ainda menos indicado. Veja, abaixo, quais são os grupos mais expostos e por que eles devem continuar utilizando a máscara:

1 – Imunossuprimidos

As pessoas com baixa imunidade são chamadas de imunossuprimidas ou imunocomprometidas. Por enquanto, inclusive no Rio, elas ainda são obrigadas a utilizar a máscara 100% do tempo.

Não há relação direta entre pessoas com comorbidades (que tinham doenças prévias como hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares) e imunossuprimidos, embora as duas condições possam ocorrer em um mesmo paciente.

O grupo dos imunosuprimidos considera, por exemplo, pessoas com câncer, pessoas vivendo com HIV, transplantados e outros com o sistema imune fragilizado, o que deixa o paciente mais suscetível a infecções. São eles:
• Pessoas transplantadas de órgão sólido ou de medula óssea;
• Pessoas com HIV e CD4 <350 células/mm3;
• Pessoas com doenças reumáticas imunomediadas sistêmicas em atividade e em uso de dose de prednisona ou equivalente > 10 mg/dia ou recebendo pulsoterapia com corticoide e/ou ciclofosfamida;
• Pessoas em uso de imunossupressores ou com imunodeficiências primárias;
• Pessoas com neoplasias hematológicas, como leucemias, linfomas e síndromes mielodisplásicas;
• Pacientes oncológicos que realizaram tratamento quimioterápico ou radioterápico nos últimos seis meses.

“Os imunossuprimidos são todas aquelas pessoas que recebem ou receberam tratamento que mexe com o sistema imunológico, ou que têm alguma doença que deprime o sistema imunológico”, diz João Prats, infectologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Para esse grupo, e para as pessoas que convivem com imunossuprimidos, o especialista considera que uma preocupação maior em retirar qualquer medida preventiva adicional é de fato válida.

O pesquisador vai além e diz que os imunossuprimidos são um grupo de atenção especial não apenas na questão do uso da máscara, mas também na questão do índice de vacinação geral da população; não vacinados podem comprometer esse grupo de risco.

“Precisamos entender que no âmbito comunitário todo mundo tem que estar vacinado, para evitar que a doença chegue nas pessoas imunossuprimidas”, diz.

No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda uma dose de reforço da vacina da Covid para todos os indivíduos imunocomprometidos acima de 12 anos de idade que receberam três doses (duas doses e uma dose adicional).

“A vacina não interrompe o ciclo de transmissão com eficiência, e portanto, infectados assintomáticos ou com formas leves ainda transmitem, e aí está o perigo visto que a cobertura vacinal não é uniforme, nem geograficamente, e nem em todas as faixas etárias”, acrescenta Camila Romano, pesquisadora do Laboratório de Investigação Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

Por isso, a infectologista do Hospital Sírio-Libanês e consultora técnica do Ministério da Saúde, Carla Kobayashi, explica que, além de continuarem usando máscaras, é essencial que essas pessoas mantenham o calendário vacinal atualizado, sempre que possível (transplantados de medula óssea, por exemplo, devem esperar 6 meses depois do transplante).

2 – Pessoas com comorbidades

A prefeitura do Rio estabeleceu que pessoas com “comorbidades graves” ainda estão obrigadas a utilizar a máscara — justamente porque desde o início da pandemia são consideradas um dos grupos mais vulneráveis à versão grave da Covid-19. No entanto, o decreto não especifica quais doenças se enquadram na classificação.

Carla Kobayashi explica que as comorbidades são condições que podem aumentar a chance do desenvolvimento de doenças mais graves, mas que, em comparação aos imunossuprimidos, essas pessoas apresentam um risco “menor”.

A especialista afirma que, assim como os imunossuprimidos, indivíduos com comorbidades devem, de fato, tomarem precauções para não se infectaram com o SARS-CoV-2, mas que, com o relaxamento da obrigatoriedade das máscaras, esse não seria um grupo de atenção para manter o uso constante da proteção, exceto em raras exceções.

Nesses casos, a infectologista avalia que valeria a pena individualizar a indicação de uso e recomenda que esses pacientes conversem com seus médicos.

“Quem tem doença cardiovascular, quem tem diabetes, quem tem obesidade, doenças neurológicas, quem é dialítico, doente renal crônico, todas essas pessoas devem fazer uma consulta caso a caso com os médicos que a acompanham para perceber seu grau de risco dentro daquela doença e assim avaliarem se devem ou não continuarem com o uso da máscara”, afirma Carla Kobayashi.

3 – Idosos

A pós-doutora em epidemiologia pela Universidade Johns Hopkins, Ethel Maciel, aponta que boa parte dos idosos no país recebeu a CoronaVac em seu esquema prioritário – os estudos apontaram que a vacina tem uma taxa de eficácia menor do que outros imunizantes, como Pfizer e AstraZeneca.

“Nós já temos estudos que mostram que a CoronaVac tem menor efetividade em idosos. Além disso, alguns deles já tem mais de 5 meses que tomaram a sua dose de reforço. Essas pessoas estão vulneráveis”, disse a professora da UFES.

Vale lembrar que apenas São Paulo tem menos da metade da população com mais de 18 anos com a dose de reforço, segundo dados desta segunda (7) do consórcio de veículos de imprensa com informações das Secretarias Estaduais de Saúde.

Além dessa menor taxa de eficácia, Kobayashi explica que a questão sobre o uso de máscaras em relação aos idosos tem a ver com o que os médicos chamam de imunossenescência, o envelhecimento do no sistema imunológico.

Com essa diferença na resposta imunológica do próprio idoso, inerente a essa imunossenescência, a ciência não consegue afirmar com segurança que todos os idosos acima de 80 anos vão ter, por exemplo, uma resposta de 80% ou 90% de efetividade às vacinas, aponta Kobayashi.

Prats acrescenta que os idosos também somam comorbidades. Ele diz que é possível que um idoso tenha uma Covid mais grave não somente pela imunsunescencia, mas porque geralmente esse é um grupo que acumula outras doenças.

“Então eles veem com outros problemas além da idade, e também é claro que quanto mais velho, menor sua reserva fisiológica”, diz o infectologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

4 – Não vacinados

Não vacinados — e isso inclui quem não recebeu nenhuma dose, apenas 1 aplicação ou está sem a dose de reforço — estão mais vulneráveis ao vírus e, por isso, segundo especialistas entrevistados pelo g1, devem continuar a usar a máscara.

Para Camila Romano, pesquisadora do Laboratório de Investigação Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), os idosos de fato ainda são um grupo de risco, mas o cenário é diferente do início da pandemia.

“Em relação aos grupos de risco, geralmente os mais idosos e com comorbidades são os vulneráveis, de fato. Por outro lado, esses indivíduos são os que mais estão com vacinação completa, e, portanto, o perfil do ‘grupo de risco’ vem mudando”, explica.

Para a pesquisadora, a taxa de vacinação de cada grupo deveria estar sendo levada em consideração na hora da retirada ou não da obrigatoriedade.

“Há estudos mostrando que somente o distanciamento social não é capaz de prevenir a transmissão, a máscara, sim, previne. Isso já se sabe. Então, com as taxas de contágio menores e a cobertura vacinal aumentando, é natural que se pense em flexibilização. Porém, estamos falando de um país com cobertura vacinal extremamente variável…”

5 – Crianças

Entre as crianças de 5 a 11 anos, menos de 50% tomaram uma dose da vacina no Brasil. Quando se trata de segunda dose, a taxa da faixa etária é ainda menor: 1,43%.

Elas não foram incluídas para manter a obrigatoriedade no Rio, sendo que outros estados já estão deixando a decisão a cargo das escolas e dos pais, como Santa Catarina.

Camila Romano concorda com a colega. Segundo ela, as crianças têm sido um grupo bastante vulnerável por não estar com cobertura vacinal completa. Ela avalia que é uma “questão difícil” devido aos impactos no aprendizado, mas “não impossível”.

“No meu entendimento, a saúde é a prioridade. Se para a ômicron a proteção se dá somente com a dose de reforço ou ao menos com a segunda dose recém-tomada, as crianças continuam a ser o grupo mais vulnerável, e portanto, deveria ainda estar sendo mais protegido por medidas não-farmacológicas”, explicou.

Já Carla Kobayashi tem um posicionamento diferente. A infectologista afirma que, como ainda não é possível afirmar que as crianças tem uma tendência a desenvolver a doença grave, elas não “entrariam nessa discussão de continuarem usando a máscara”.

“Com a população adulta jovem muito vacinada e com uma resposta imune da vacina muito boa, numericamente, estamos enxergando mais as crianças [nos índices de casos], mas não necessariamente porque elas aumentaram o risco para a doença grave”, diz.

6 – Profissionais da saúde e outros trabalhadores

Para profissionais de saúde, a máscara cirúrgica faz parte dos equipamentos de proteção individual, tendo em vista os riscos que o ambiente hospitalar oferece para esse grupo.

Além dos trabalhadores da saúde, os especialistas ouvidos pelo g1 ressaltam que grupos que estão expostos a uma grande circulação de pessoas durante seu dia de trabalho, como caixas de supermercado, cobradores de ônibus, devem continuar usando a proteção.

Fonte: G1