Em greve há quase cinco meses, os auditores fiscais da Receita Federal intensificaram a pressão sobre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em meio ao impasse por reajuste salarial, pagamento de bônus e cumprimento de acordos firmados, a categoria aprovou uma moção de desconfiança contra o secretário da Receita, Robinson Barreirinhas, e passou a exigir sua exoneração. A medida foi tomada pelo Conselho de Delegados do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional), que representa os servidores da categoria.
O documento, aprovado no último dia 9, acusa Barreirinhas de adotar uma postura incompatível com a missão institucional do Fisco e de ferir a boa-fé nas negociações com os auditores. Segundo o texto, sua permanência no cargo se tornou “insustentável e indefensável”.
O descontentamento da categoria não é novo. Desde 2023, os auditores vêm reclamando do descumprimento de acordos, além da falta de avanços em negociações salariais. Em 2023, os servidores receberam um reajuste de 9%, conforme anunciado pelo governo federal, mas alegam perdas acumuladas de 28% desde 2016, devido ao congelamento de salários nos anos anteriores. O salário inicial de um auditor fiscal é de aproximadamente vinte e três mil reais.
Os auditores também criticam a diferença de tratamento entre categorias. Servidores da Advocacia-Geral da União (AGU), por exemplo, conseguiram negociar um reajuste de dezenove por cento, parcelado entre junho de 2025 e abril de 2026, o que gerou revolta entre os fiscais da Receita. Eles argumentam que, apesar de exercerem funções estratégicas e essenciais, continuam sendo ignorados em suas reivindicações.
O conflito com Barreirinhas teve episódios ainda mais graves. Em dezembro do ano passado, cerca de 48 conselheiros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) renunciaram aos seus cargos, e outros 60 chefes de delegacias regionais, entre titulares e interinos, anunciaram que deixariam os postos. A decisão foi tomada após uma ação judicial proposta pela Receita, sob o comando de Barreirinhas, para tentar impedir a greve da categoria. O gesto foi interpretado pelos auditores como uma traição, agravando a crise de confiança.
Os servidores acusaram o secretário de “fingir diálogo” em reuniões e, logo em seguida, recorrer à Justiça para restringir o direito de paralisação. A iniciativa foi comparada à gestão de Paulo Guedes, ex-ministro da Economia do governo Bolsonaro, e consolidou a ruptura entre Barreirinhas e os auditores. Na ocasião, a Advocacia-Geral da União (AGU) ingressou com pedido no Superior Tribunal de Justiça (STJ), solicitando a manutenção de cem por cento da força de trabalho nas atividades relacionadas à elaboração do orçamento de 2024, bem como nos trabalhos do Carf e nas funções de controle aduaneiro.
Atualmente, apesar da greve, parte do funcionamento da Receita Federal está mantida por sistemas automatizados. Contudo, as tarefas que exigem atuação humana estão comprometidas. A categoria já alertou o governo para os impactos fiscais do prolongamento da paralisação. Atrasos na análise das declarações do Imposto de Renda e na liberação das restituições, bem como a retenção de cargas nos portos e aeroportos, já são sentidos. A fiscalização de tributos e o combate a crimes como a lavagem de dinheiro e a ocultação de patrimônio também foram prejudicados.
Um dos casos afetados envolve investigações contra integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC), como a Operação Fim da Linha, que apura o controle da facção sobre parte do sistema de transporte público em São Paulo. A paralisação compromete a atuação das unidades especializadas da Receita que investigam esquemas de fraudes estruturadas.
A greve se tornou mais um fator de pressão sobre o governo federal, que busca um esforço fiscal de cento e dezoito bilhões de reais até 2026. A arrecadação por meio da recuperação de créditos tributários e a execução de dívidas fiscais são peças centrais do ajuste planejado pelo Ministério da Fazenda.
Interlocutores da equipe econômica reconhecem que a paralisação afeta as metas fiscais, mas demonstram otimismo com a possibilidade de uma solução em breve. Caso a greve se prolongue, o governo já trabalha com alternativas. Um plano B incluirá medidas arrecadatórias que serão detalhadas no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2026, cuja entrega ao Congresso está prevista para 31 de agosto.
Até essa data, todas as propostas que dependam de aprovação parlamentar precisam estar em tramitação. O governo, portanto, conta com o avanço das negociações com os auditores fiscais para evitar maiores prejuízos à arrecadação e ao cumprimento das metas de responsabilidade fiscal.
Enquanto isso, o Sindifisco mantém sua mobilização e reforça o pedido de demissão de Barreirinhas. A categoria argumenta que, para retomar o diálogo com o governo e buscar uma saída para a greve, é necessário substituir a atual chefia da Receita Federal, considerada pelos auditores como um obstáculo às negociações e ao cumprimento dos compromissos assumidos anteriormente.
O desgaste entre a categoria e a Receita, somado aos prejuízos causados pela paralisação, impõe mais um desafio à articulação política do governo Lula. Resolver a crise com os auditores fiscais passa a ser também uma questão estratégica para assegurar os recursos necessários à execução das políticas públicas e à estabilidade fiscal até o final do mandato.
Foto: Diogo Zacarias/MF
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