Marco Aurelio Carone

Novojornal teve acesso ao Relatório encaminhado pelo Procurador do Ministério Público de Contas de Minas Gerais, Glaydson Massaria, à Câmara Municipal de Belo Horizonte, demonstrando a relação conflituosa e indevida do prefeito Fuad Noman com empresários do setor de transporte, em especial Rubens Lessa, presidente do poderoso Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros Metropolitano (Sintram).

A peça elaborada pelo MPC-MG é minuciosa, retroagindo a 2007. Quando Fuad era Secretário Estadual de Transportes e Obras Públicas. Neste cargo realizou e assinou os contratos da concorrência SETOP nº 01/2007, destinada à Concessão do Serviço de Transporte de Passageiros da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Consorcio Linha Verde

Consorcio Metropolitano

Consorcio Via Amazonas

Consórcio Estrada Real

No certame saíram vitoriosos 7 consórcios.

Em 04: Consórcio Amazonas, Consórcio Metropolitano, Consórcio Estrada Real e Consórcio Linha Verde, a empresa Turilessa Ltda, pertencente à família Lessa os integravam, no 5º, o Consórcio Linha Verde, tinha a participação da empresa S&M Transportes S/A, também pertencente ao grupo Saritur.

Conflito de interesse

A Lei que regulamenta o conflito de interesse classifica:

– Benefício indevido a pessoa jurídica de que participe o agente público ou familiar próximo (inciso V, art. 5º).

O agente público não pode interferir deliberadamente em ato de gestão de forma a beneficiar determinada pessoa jurídica de que ele mesmo ou algum parente próximo seu participe. E se membros da sua família atuam em atividades privadas que possam gerar conflito com as atividades do agente público, como, por exemplo, atuem em atividades que sejam fiscalizadas pelo agente público. O agente público deve comunicar à chefia e abster-se de participar de decisões relacionadas especificamente aos negócios da família.

Na época do certame Rubens Lessa era casado com Guiomar Antonieta Lage Lessa Carvalho, prima de Mônica Drumond Lage Noman, esposa de Fuad Norman.

Fato importante: As empresas integrantes dos consórcios anteriormente mencionados integravam – e ainda integram – os mesmos grupos empresariais de concessionárias de transporte em Belo Horizonte.

Em relação a Concorrência Pública SETOP nº 01/2007 o Ministério Público de Contas e a Controladoria Geral do Estado, identificaram indícios nos próprios autos do procedimento licitatório, que considerados em conjunto, são aptos a comprovar a ausência de competição real no certame.

Em função destas constatações o procurador Glaydson Massaria, do Ministério Público de Contas, representou em 25 de maio de 2023, junto ao Tribunal de Contas de Minas Gerais para:

– O reconhecimento, pelo TCE/MG, da ocorrência de fraude na Concorrência Pública SETOP n. 01/2007;

– A expedição, pelo TCE-MG, no exercício da pretensão corretiva prevista no art. 71, IX, da Constituição da República, de determinação para que o Poder Executivo do Estado de Minas Gerais promova, no prazo de 30 dias, a sustação dos contratos de concessão oriundos da Concorrência Pública SETOP n. 01/2007, em decorrência de sua nulidade;

– Caso o Poder Executivo Estadual permaneça omisso após o transcurso do prazo assinalado, a expedição de requerimento à Assembleia Legislativa, a fim de que o Poder Legislativo suste os contratos de concessão de transporte metropolitano da RMBH, nos termos do §1º do art. 71 da Constituição da República;

– Tendo em vista a nulidade absoluta da Concorrência Pública SETOP n. 01/2007 e dos contratos dela decorrentes, a expedição de determinação para que o Estado de Minas Gerais deflagre, no prazo de até dois anos, procedimento licitatório visando nova concessão dos serviços de transporte público metropolitano por ônibus da RMBH (art.71, IX, da Constituição da República).

A representação tem como Relator no TCE MG o Conselheiro Agostinho Patrus

Em relação ao inquérito instaurado pelo Ministério Público de Contas, que gerou a representação anteriormente citada, o Portal G1, em de julho de 2021, entrevistou o então secretário de Estado de Infraestrutura e Mobilidade de Minas Gerais – Seinfra Fernando Marcatto, que admitiu a existência de uma série de evidências que demonstram a formação de cartel. A rede de transporte metropolitano é formada por sete consórcios, cada uma com três empresas.

“O que consta do inquérito é justamente esta questão de cartel durante a licitação. Aparentemente são as mesmas empresas, com uma série de evidências, como horários em que as propostas foram enviadas”, afirmou Fernando Marcatto.

Segundo Marcatto, após ter acesso à fase III, o Governo de Minas anunciou, que o processo de licitação, que envolve valores perto de R$ 16 bilhões, iria ser investigado também pela Controladoria-Geral do estado e pela Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade.

Acrescentando que no caso destas investigações, o Ministério Público de Contas enfrentou uma barreira a mais:

– Documentos importantes do processo licitatório simplesmente haviam desaparecido.

Segundo Marcatto, para o MP de Contas, houve “destruição de provas importantes, ou no mínimo, a utilização de subterfúgios dos investigados do transporte público da capital para impedir, atrapalhar ou atrasar as investigações”.

O Transporte de Passageiros da Região Metropolitana de Belo Horizonte no Governo Zema

É bem possível que o novo modelo de Governo, implantado pelo governador Zema, tenha terceirizado a função pública de gestão do transporte de passageiros metropolitano.

Agora, após dois anos da entrevista de Marcatto, o Novojornal teve acesso a auditoria da Controladoria Geral do Estado de Minas Gerais, citada na matéria, que examinou os procedimentos realizados pela SEINFRA, que deveria ser o Gestor e o DER o Fiscalizador da execução dos serviços prestados pelas concessionárias vencedoras da licitação de 2008, relacionada à prestação dos serviços de transporte de passageiros da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade, tem está função desde a Lei Delegada nº 128/2007, que foi sendo alterada e atualmente está sendo regida nos termos do art. 37, da Lei n. 23.304/2019.

A auditoria da CGE nos contratos celebrados em 2008 para prestação de serviço de transporte de passageiros na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

A inspeção da CGE desnudou a relação entre a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade de Minas Gerais (Seinfra), o Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG) e o SINTRAM – Sindicato de Transporte de Passageiros Metropolitano, mostrando a inexistência de qualquer estrutura do Poder Público capaz de fiscalizar a execução dos contratos celebrados.

– Demonstrando ainda que quem comanda não é o Poder Público, é o SINTRAM – Sindicato de Transporte de Passageiros Metropolitano, presidido pelo conhecido empresário Rubens Lessa.

O domínio de Rubens Lessa no setor de transporte de passageiros da RMBH, vem desde 2003 – em função da sua “proximidade” com o ex-governador Aécio Neves – consolidando-se em 2008, quando da licitação realizada pela SEINFRA, na época ocupada pelo atual prefeito de Belo Horizonte Fuad Noman.

A participação de Rubens Lessa pode ser analisada nos termos da denúncia do presidente da Câmara Municipal de Belo HorizonteGabriel Azevedo, feita na manhã de 06/11/2023 acusando o secretário de Estado de Casa Civil de Minas Gerais, Marcelo Aro:

“Pouco antes da concretização da votação em segundo turno, o secretário da Casa Civil, Marcelo Aro, e o vice-presidente desta Câmara, Juliano Lopes, me exigiram que esse projeto (subsídio às empresas de ônibus) não fosse pautado. Isso que estou dizendo aqui, estou dizendo pela primeira vez. Me exigiram que este projeto não fosse votado porque eles estavam em negociação com o senhor Rubens Lessa para conseguir do senhor Rubens Lessa dinheiro vivo, e, se eles não conseguissem esse dinheiro vivo, eles não gostariam de votar o projeto em segundo turno”.

– A Controladoria-Geral do Estado de Minas Gerais, constatou a centralização em Rubens Lessa da gestão delegada pelas demais concessionárias, questionando a legalidade da delegação.

“Apesar de constar o registro em contrato a representação legal de cada consórcio, o Sindicato, nos termos do seu estatuto, pode representar as empresas e consórcios, sendo assim, os sete consórcios do transporte metropolitano outorgaram poderes ao Presidente do SINTRAM, por meio de procuração, para representá-los perante a SEINFRA e DER, mas é importante destacar que não está claro no instrumento de procuração a respeito do objeto de concessão pactuado. Com isso, é fundamental analisar, sob a perspectiva jurídica, se existe amparo legal para a assunção pelo sindicato das prerrogativas legais pactuadas em instrumento de concessão pelos consórcios”A análise do amparo legal da procuração jamais foi analisada.

E ainda;

“as poucas informações repassadas pelo SINTRAM – Sindicato de Transporte de Passageiros Metropolitano, não são confiáveis”.

Para desenvolvimento do trabalho a CGE elaborou as seguintes questões de auditoria, seguida da resposta da equipe de auditoria:

– Os quesitos indicados no item 30.2 do Edital nº 01/2007 são suficientes para que o indicador de desempenho (ID) atenda de modo satisfatório a prestação de serviço do transporte metropolitano? Respostas: Não.

– O indicador de desempenho é insuficiente para a avaliação da política pública e dos serviços prestados pelas concessionárias; o impacto qualitativo e quantitativo do quadro de indicador de desempenho nos contratos de concessão é positivo? Resposta Não. Considerando a ausência de comprovação da fidedignidade das informações apresentadas pelos consórcios que subsidiam o cálculo dos índices de desempenho.

– Existe metodologia para a execução do quadro de indicador previsto no Anexo XVII do Edital nº 01/2007 e nas cláusulas contratuais acerca do indicador de desempenho? Resposta Sim, porém a metodologia do Sistema de Avaliação de Desempenho (SAD) apresentada no edital não é suficiente para avaliar a qualidade do serviço prestado.

– Qual a atuação do Poder Público (SEINFRA e DER) na aferição do indicador de desempenho? Resposta: O Poder Concedente não possuiu meios eficazes para aferição dos índices de desempenho.

– Os procedimentos de comunicação entre a SEINFRA e as concessionárias para resolução na adequação dos serviços são eficientes? Resposta Não. Os procedimentos de comunicação são deficientes e com assimetria de informações.

– A comunicação efetuada com as concessionárias é efetiva e contribui para a melhoria do serviço prestado? Resposta Não. Ausência de comunicação estratégica entre as concessionárias e o Estado.

O relatório da auditoria demonstra claramente que o sucateamento da máquina pública, é um dos fatores desta realidade.

_ “Em reuniões realizadas com as equipes da SEINFRA e DER verificou-se dificuldades na execução de atividades de gerenciamento e fiscalização do transporte metropolitano em função, principalmente, da insuficiência de servidores e obsolescência tecnológica/sistemas”.

_ “Ademais, as informações que subsidiam as tomadas de decisão da SEINFRA quanto a operacionalização do transporte metropolitano são fornecidas pelas concessionárias, por meio do Sistema de Gerenciamento do Transporte Metropolitano, no qual os operadores do sistema são cadastrados com funções limitadas de acesso, acerca das informações referentes ao transporte metropolitano”

_ “Os dados inseridos no SGTM são referentes a: cadastramentos de veículos, quadro de horários, informações das viagens realizadas, dentre outras. Os dados brutos inseridos no SGTM são alimentados pelos Consórcios. A SEINFRA e o DER não tem acesso a base de dados, o que inviabiliza a veracidade das informações recebidas para as tomadas de decisão que melhorem a gestão do serviço de transporte metropolitano”

_ “O DER recebe das concessionárias o Mapa de Controle Operacional – MCO, documento que consta a operação diária dos serviços, as viagens realizadas e outras informações pertinentes ao sistema de transporte, informações essas que são preenchidas pelos consórcios e repassadas a SEINFRA por meio do SGTM. Tanto a Secretaria quanto o DER utilizam as informações inseridas pelas concessionárias no SGTM”.

_ “O DER tem acesso ao SGTM, no modo consulta, para apuração de cumprimento do quadro de horários em caso de reclamações ou fiscalização indireta e a SEINFRA o utiliza para subsidiar a gestão contratual. O DER não possui metodologia, recursos tecnológicos e operacionais para se certificar que as informações repassadas pelas concessionárias correspondem à realidade”.

Mesmo ciente da falta de parâmetros para aferição dos índices de desempenho e outros para analisar o custo do sistema, desprezando o apurado pelo inquérito do Ministério Público de Contas a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra), após a entrevista, no período de Marcatto, concedeu em janeiro de 2022 um reajuste de 13%, e outro em janeiro de 2023 de 9% nas passagens do Transporte Coletivo da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

A situação do Transporte de Passageiros na Região Metropolitana de Belo Horizonte é trágica:
– Os veículos estão sucateados, sem qualquer renovação e manutenção.

– Os acidentes são frequentes, chegando a soltar as rodas dos veículos durante viagens assim como a ocorrência de incêndios nos mesmos.

– O interior dos veículos está desmontando, bancos quebrados, goteiras em período chuvoso.

– O ar condicionado não funciona nos veículos que tem as janelas fechadas.

– O excesso de passageiros e o descumprimento do quadro de horários trazem transtornos diários para os usuários.

A auditoria da CGE constatou a diminuição dos veículos com o equipamento de acesso para portadores de deficiências.

A relação do governo de minas com o setor de transporte de passageiros da RMBH, realmente já extrapola o razoável.

A deputada Bella Gonçalves (Psol), durante audiência pública da Comissão de Assuntos do Municipais e Regionalização da ALMG, anunciou que pretende criar uma CPI para investigar denúncias de descumprimento do contrato de concessão e a denúncias de fraude na licitação do transporte coletivo metropolitano.

“Espero que a ALMG tenha coragem de fazer essa investigação”, afirmou a deputada Bella Gonçalves (Psol).

Vale lembrar que o Edital prevê como fato gerador da declaração de caducidade do contrato a inexecução total ou parcial do serviço, de acordo com o valor do Indicador de Desempenho, ao final do 15º ano da contratação, ou seja, neste ano.

Consultado o prefeito de Belo Horizonte Fuad Noman respondeu através da sua assessoria que não tem conhecimento da representação do Ministério Público de Contas.

O Governo de Minas Gerais respondeu que: “A demanda foi encaminhada para o setor competente e quando existir uma resposta será encaminhada”.

Nota da Redação:

– Devido ao volume de documentos e denúncias, nesta matéria, abordaremos apenas a participação do prefeito Fuad Noman na licitação para o transporte de passageiros da Região Metropolitana de Belo Horizonte ocorrida em 2007, deixando as questões relacionadas a Belo horizonte para próximas matérias.

– Esta é a quarta da série de matérias publicadas pelo Novojornal sobre o Transporte de Passageiros de Belo Horizonte e da RMBH.

Primeira matéria

Belo Horizonte, cidade refém do grupo que comanda o transporte de passageiros há 70 anos

Segunda matéria

O Golpe militar de 1964: financiou e empoderou os empresários de ônibus

Terceira matéria

Entrega do caixa aos concessionários de ônibus passou a financiar os “interesses da categoria”

Foto (principal) de 7 de novembro de 2012