Na quinta-feira passada, 24/02, em uma audiência da Comissão Extraordinária de Privatizações da ALMG deputados clamaram pelo andamento do projeto de Lei PL 2884/2021 que traz a proposta do Governo Zema para a regionalização dos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, e de manejo dos resíduos sólidos no estado. De acordo com os manifestantes, a demora em dar andamento na tramitação deste PL resultava em impedimento para que o estado recebesse recursos quiçá da ordem dos apurados pelos estados do Rio de Janeiro, Alagoas e Amapá, por meio da licitação da prestação desses serviços.
Um fato, ao que parece desconhecido dos deputados que lançaram mão de tal exemplo, que diferencia Minas Gerais daqueles três estados é o fato de que enquanto o PL 2884/2021 trouxe uma proposta da Administração Zema para a regionalização, obedecendo à Lei 14.026/2020, os estudos de regionalização do saneamento naqueles três estados já estavam prontos antes mesmo da aprovação daquela Lei no Congresso Nacional – foram desenvolvidos pelo BNDES e apresentados em um seminário daquele Banco ainda em 2019.
O PL 2884/2021 de Zema apresentou uma divisão do estado em 22 (vinte duas) unidades regionais de água e esgotos, denominadas URAE’s. Nesse modelo de divisão, a adesão dos municípios às URAE’s é voluntária, embora para aqueles municípios que optem por não aderir recaia a penalização de perda de acesso a recursos da União – ou geridos pela União – para aplicação em ações de saneamento.
Já na fase de audiência pública do anteprojeto que originou esse PL 2884/2021 foi manifestado pela SEMAD, órgão que coordenou os estudos nos quais se baseou a proposta de Zema, que as unidades alcançaram condição se sustentabilidade econômica. Ora, isso é obviamente dependente das tarifas consideradas nos estudos. A ausência de maior clareza e debate quanto a esse aspecto põe em dúvida a viabilidade desse PL.
Apenas como um exercício simplista, vejamos como se caracterizam os municípios mineiros. De acordo com as estimativas populacionais do IBGE[1] para o ano de 2021, são 780 (91% do total de 853) os municípios mineiros com população inferior a 50.000 habitantes, sendo que esse conjunto totaliza 8.674.439 pessoas. Destes, 3.472.705 pessoas (40% do total) se encontram em situação de vulnerabilidade financeira. Se considerarmos um número médio de 3 pessoas em cada família a ser atendida, um consumo médio da ordem de 125 L/pessoa.dia, e as tarifas atualmente praticadas pela Copasa, esses municípios geram uma receita mensal da ordem de R$232,5 milhões. O valor médio da despesa total dos serviços (DTS) para os prestadores privados em Minas Gerais, segundo o Diagnóstico do SNIS 2020, é de R$25,41 por pessoa atendida. Logo, o atendimento à população desses 780 municípios corresponderia a uma despesa de R$220,4 milhões. A esses valores correspondem um excedente anual da ordem de R$144 milhões, ou cerca de R$4 bilhões em 30 anos.
Esses valores excedentes se mostram absolutamente insuficientes para assegurar a remuneração dos investimentos necessários para universalização dos serviços no conjunto desses municípios, tendo como resultado uma única alternativa: o aumento das tarifas praticadas.
Ao se considerar elevação das tarifas, há a imposição do risco de impedir o acesso de pessoas aos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário pela sua incapacidade de pagamento, violando um direito humano reconhecido pela ONU em 2010 e com a anuência do Brasil.
Chama a atenção a situação de três das URAE’s integrantes da proposta de regionalização contida no PL 2884/2021: as URAE’s 01, 04, e 19. Essas três unidades têm uma população de 2,4 milhões de habitantes, das quais 1,2 milhões são classificados com em situação de viabilidade financeira. No caso da URAE 19, o índice de pessoas em vulnerabilidade financeira é de 49,8% da população, praticamente a metade das pessoas.
Por outro lado, essas três unidades apresentam baixos índices de atendimento da população com água (67,5%, 61,8%, e 63,6%, respectivamente), e com esgotamento sanitário (59,3%, 56,5%, e 47,3%, respectivamente), indicando a necessidade de pesados investimentos que serão pagos por uma população com limitadíssima capacidade de pagamento.
Se o cenário de prestação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no estado se mostra assustador ante a indução à privatização promovida pela Lei 14.026/2020, o PL 2884/2021 trazendo a proposta de regionalização do saneamento em Minas Gerais deixa mostras claras de uma (bastante) provável escalada nas tarifas a serem praticadas caso seja implementada. E, com isso, maiores dificuldades impostas às pessoas em situação de vulnerabilidade financeira – que somam quase 6,4 milhões de mineiros – que poderão se distanciar mais ainda do acesso a serviços básicos essenciais à vida.
[1] Disponível na WEB no endereço https://cidades.ibge.gov.br/