Por Marco Aurelio Carone

Após anos de luta, com o slogan: “Minério não dá duas safras”, Arthur Bernardes e seu grupo político conseguiram com o presidente Getúlio Vargas, em 1942, durante o denominado “Acordos de Washington” a criação da Companhia Vale do Rio Doce, que representava as aspirações mineira de não ser espoliada em seu patrimônio mineral. Pouco antes em 1941, o mesmo presidente criara a CSN que foi inaugurada em 1946, com a incorporação da Mina Casa de Pedra ao seu patrimônio.

Após 57 anos no governo do PSDB, as duas empresas foram entregues novamente a aqueles que desde o império espoliam Minas Gerais. Naquele momento, a Vale detinha, além de um gigantesco patrimônio mineral, o levantamento de todas reservas minerais mineiras e brasileiras, realizado pelo seu braço de pesquisa, fundada em julho de 1971, a Rio Doce Geologia e Mineração S. A. Docegeo, subsidiária integral da Companhia.

Na mesma época, a Vale adquiriu a concessão da Ferrovia Vitória Minas e junta com a CSN a Malha Sudeste da extinta Rede Ferroviária Federal S.A. RFFSA, através da MRS. Em 2003, a Vale, ao assumir o controle das ações ordinárias da MBR, passou a ser acionista majoritário da MRS.

Fruto deste novo ordenamento, onde o imperialismo é exercido sem armas e tomada territorial, apoderam-se das riquezas nacionais através do entreguismo da elite, os chamados “vicecomes”. Neste novo cenário – iniciado em 2003 – Minas Gerais transformou-se numa possessão territorial, permitindo que a exploração mineral se transformasse em algo agressivo e nocivo à sociedade mineira, pois, subordinado apenas aos interesses das mineradoras, trazendo o afrouxamento do processo de licenciamento ambiental, gerando a série de genocídios ocorridas no Estado.

Algo que dentro deste modelo não se resolve com punição dos culpados, pois os culpados são todos integrantes da elite governamental, e sim através do pagamento de indenizações ao Poder, para remunerar a burocracia estatal e passar a impressão para o povo, de que houve justiça. Em relação as verdadeiras vítimas, apenas presta-se homenagem.

Tudo indica que Congonhas, cidade mineira detentora de incalculável acervo históricos e artísticos, dentre eles o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, com os 12 profetas da Bíblia esculpidos em pedra sabão por Aleijadinho, detentora do honroso título da maior obra barroca das América, reconhecida em 1985 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO, ao conceder o título de Patrimônio Cultural da Humanidade.

Patrimônio este, sucessivamente agredido pela enorme poeira de minério, que é visível na cidade, causando uma série de danos às obras de arte. A questão é tão grave que já se discuti a possibilidade da remoção das estátuas dos profetas para um local fechado.

É também detentora de outro título, o de ter a maior barragem de rejeitos de mineração localizada em território urbano na América Latina, poderá ser a próxima vítima na ciranda de genocídios, são 103 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos na barragem “Casa de Pedra”, pertencente a CSN Companhia Siderúrgica Nacional, iniciada através do licenciamento nº 105 de 2004.

Nos anos seguintes foram concedidas pelo Governo de Minas Gerais seguidas licenças, até que em 2016, mesmo sem a apresentação do Dam Break, levando em consideração as barragens B4 e B5, a montante da “Barragem Casa de Pedra”, fato denunciado pela FONASC Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês das Bacias Hidrográficas, integrante do COPAM, foi aprovado o alteamento da cota 933m para a cota 944m

No ano seguinte, a barragem Casa de Pedra foi interditada pelo Ministério do trabalho, devido ao risco de rompimento, fato pouco noticiado.

No dia seguinte à interdição, por meio de nova inspeção, os auditores – fiscais constataram que as obras, no dique de sela, não foram paralisadas, conforme havia sido determinado pela fiscalização do Ministério do Trabalho, “colocando em risco os trabalhadores no local”. Foi instaurado, então, Inquérito Civil, com designação de audiência administrativa, sendo proposto um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), aos representantes da CSN, que não aceitaram.

Diante da recusa da empresa em ajustar sua conduta pela via extrajudicial, o Ministério Público do Trabalho ajuizou ação civil pública contra a empresa, com o pedido de tutela inibitória e condenatória. Para o MPT, “esse seria o melhor caminho para exigir da ré a correção das irregularidades trabalhistas apuradas, a fim de assegurar um ambiente seguro de trabalho, com a devida proteção à sua saúde, integridade, e vida, em consonância com a garantia constitucional inscrita no artigo 7º, inciso XXII, da CF/88”.

Até que, em setembro de 2009, o juiz do trabalho de Congonhas determinou a interdição.

A CSN recorreu da decisão para 2ª instância da Justiça do Trabalho, que manteve a interdição da Barragem de Mineração Casa de Pedra.

Novamente CSN apresentou recurso, porém, com a manutenção da interdição, o processo subiu para o TST, onde encontra-se até hoje.

O que vem sendo noticiado é que, junto ao maciço de 76 metros de altura da barragem, vivem cerca de 5 mil pessoas na área de risco, o que é uma situação inconcebível, principalmente porque, segundo estudos da própria CSN, em caso de rompimento, os moradores teriam 30 segundos para fugir da morte.

A cidade – que antecede as barragens – com 54 mil habitantes, encontra-se cercada por 24 barragens, de quatro empresas, a Companhia Siderúrgica Nacional CSN tem 13 a Vale e Gerdau com 5 cada e Ferrous com 1. Sendo que 13 das estruturas são consideradas de alto risco de rompimento.

Diante do imobilismo dos demais órgãos, fundamentada em determinações legais, a prefeitura municipal da cidade, elaborou em 2019 o Plano Municipal de Segurança de Barragens – PMSB e Plano de Contingencia Integrado – PLACON.

Nele são demonstrados diversos cenários estudados, em qualquer deles a cidade seria liquidada, distritos e outros municípios seriam drasticamente impactados.

Os cenários fundamentaram-se nos mapas de inundação, requeridos junto às empresas que têm barragens no município.

Além do impacto com o rejeito e água, tal evento fatalmente, provocaria o estancamento no Rio Maranhão, represando o mesmo e causando inundação de toda a Área Central da cidade.

Em 2019, a CSN informou ao MPMG que estava se adequando a nova legislação sobre barragens- o que era impossível devido à interdição – para a descaracterização e descomissionamento da barragem Casa de Pedras, o que não ocorreu, pois em 2022 a empresa aderiu ao acordo celebrado pelo Governo de Minas Gerais, o Ministério Público estadual e federal, e mineradoras, no qual o prazo não é definido.

A ANM em 22 de março de 2021, comunicou a Prefeitura Municipal de Congonhas que após a auditoria realizada por sua consultora AECOM, estava tudo certo em relação a barragem “Casa de Pedras”, o que também não condizia com a verdade devido a interdição.

O Novojornal teve acesso a auditoria citada feita pela AECOM a pedido pela ANM Agência Nacional de Mineração que demonstra o contrário do informado, a mesma contem 87 recomendações, a serem corrigidas e uma informação que coloca a ANM numa posição difícil;

A agência não forneceu o principal estudo, aquele que relata as consequências se ocorrer um rompimento da barragem e as medidas que deverão ser tomadas.

A auditoria comprova o desleixo da CSN, na conservação da estrutura da barragem “Casa de Pedras”, segundo técnico consultado pelo Novojornal; “o encontrado em caso de chuva forte e sequentes, pode trazer serias consequências para estabilidade da barragem, principalmente as trincas”.

Mesmo após o relatório da AECOM apontando diversas irregularidades e a interdição feita pela Justiça do Trabalho, em 29 de maio de 2022, o Copam aprovou a ampliação da Mina Casa de Pedra.

Em função da lei sancionada pelo último ex-prefeito de Congonhas, que permiti a realização de estudos geológicos na parte da Serra Casa de Pedra voltada para cidade, tombada desde 2007, a mineradora desenvolve projeto com esta finalidade, em seu prospecto apresentado aos investidores é dito que com a expansão, a exploração prosseguirá até 2064.

Como demonstrado, apenas a Justiça do Trabalho aprendeu com o ocorrido em Mariana e Brumadinho e, dentro de sua competência, protege os trabalhadores. Os demais órgãos fiscalizadores, permanecem celebrando acordos e fechando os olhos, desta forma a população de Congonhas está entregue à própria sorte.

Procurada diversas vezes por Novojornal, solicitando o Dam Breck de suas barragens, o que de acordo com a lei deveria estar disponível em seu site para consulta pública, a CSN não respondeu.