Por Marco Aurelio Carone

O que foi informado pelo Copam, subordinado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), e vem sendo divulgado pela imprensa é apenas que a Samarco foi autorizada a suprimir 35 hectares de mata atlântica, dos quais 11 hectares estão localizados numa área de proteção permanente (APP).

Embora grave, esta divulgação vem servindo de cortina de fumaça, pois numa atitude temerária, o Copam autorizou a empresa a ampliar a atividade do Complexo Minerário Germano, sem antes ter feito o descomissionamento da barragem Germano, construída pelo processo de alteamento a montante, contendo aproximadamente 130 milhões de m³ de rejeitos, quase três vezes o volume da barragem do Fundão que tinha, 56,6 milhões de m³ e rompeu em 2015, causando um dos maiores desastres ambientais do País.

Para se ter uma noção do tamanho da estrutura, ela tem 165 metros de altura e está classificada como Classe III, ou seja, de alto risco. O descomissionamento consiste em esvaziar as áreas que armazenam rejeitos, encerrando o uso da barragem e reincorporando a estrutura ao relevo e ao meio ambiente, que de acordo com a Lei Estadual 23.291, e a Federal 14.066, de 30 de setembro de 2020, teriam prazo para sua conclusão em 25 de fevereiro de 2022, e através de um acordo, o mesmo foi prorrogado. A este respeito, Novojornal publicou: “Em Minas Gerais, crime ambiental dá lucro e compensa”.

Quando em 25 de fevereiro foi assinado o acordo entre o Governo de Minas Gerais, o Ministério Público Estadual, Federal e as mineradoras, prorrogando indefinidamente o prazo para o descomissionamento das barragens de rejeitos minerais construídas pelo processo a montante, já se encontrava pronto o parecer pela aprovação da ampliação do Complexo Minerário Germano que foi aprovado em 25 de março.

A cronologia dos fatos, demonstra claramente a estrutura de poder que se articula em torno das mineradoras, dando condições delas continuarem a fazer o que bem entendem, mesmo que com o sacrifício de vidas humanas.

O Complexo Minerário Germano é composto por um conjunto de unidades integradas que desenvolvem atividades de lavra, em duas minas: Alegria Norte e Alegria Sul, localizada nas sub-bacias dos rios Piranga e Piracicaba, que fazem parte da bacia do Rio Doce.

Segundo consta na autorização do Copam, que permitiu a ampliação, “as intervenções se fazem necessárias para manter a continuidade da lavra na cava de Alegria Sul e manter a continuidade dos planos de lavra na Mina de Alegria Norte, potencializar o aproveitamento de minério nessas cavas e a manutenção dos teores de produção a partir de 2022”.

Porém, Novojornal apurou que o autorizado é tão grave que, embora solicitada pela Samarco desde 2016, vinha sendo negada devido aos impactos que o empreendimento causará ao meio ambiente, ao patrimônio arqueológico e histórico e acima de tudo o risco a vidas humanas.

Também não foi informado pelo Copam, que a retirada da mata atlântica não diz respeito apenas a supressão da vegetação, e sim a destruição de vários sítios arqueológicos e históricos.


Serão destruídas 11 cavernas de alta importância, que pela formação geológica, e utensílios encontrados, foram habitadas séculos atrás.

Histórico

Após o rompimento da barragem do Fundão em 2015, em 2019 sem maiores divulgações, foi aprovado pelo Copam o retorno das atividades da Samarco, mesmo diante da advertência feita em seu voto, pelo Fórum Nacional da Sociedade Civil Na Gestão da Bacias Hidrográficas – FONASC-CBH.

“O FONASC-CBH entende que é necessário um novo EIA e RIMA, novas declarações de conformidade, uma avaliação ambiental integrada e completa na região do Complexo Germano e toda a bacia hidrográfica (inclusive em relação ao balanço hídrico considerando o abastecimento humano e a disponibilidade para os processos de recuperação da biota dos cursos de água e biodiversidade impactados pelo rompimento em 2015), a apresentação da totalidade das estruturas de disposição de rejeitos e respectivos projetos para além do “conceitual” e o descomissionamento da Barragem Germano, antes que a retomada do Complexo Germano seja pautada para deliberação.

A nosso ver, a Samarco (Vale/BHP Billiton), a SUPPRI, a SEMAD e o Governo de Minas, assim como os conselheiros que votarem a favor do deferimento, estão assumindo os riscos de um empreendimento repleto de falhas no licenciamento – inclusive em relação a estruturas com rejeitos no Complexo Germano, entre elas uma a montante com quase 130 milhões de m³ e mais de 100 metros de altura – o que é gravíssimo após o que ocorreu com os rompimentos em 2015 e no dia 25 de janeiro deste ano.

Considerando as reiteradas situações na CMI/COPAM que violam a legalidade e direitos ambientais e constitucionais, o FONASC-CBH registra a preocupação com as decisões que serão tomadas a respeito deste licenciamento e suas implicações em relação ao meio ambiente e à qualidadede vida da população, hoje e nas próximas gerações”.

Como tradicionalmente o grupo Vale, ao qual pertence a Samarco, procede após a publicação de matéria contraria aos seus interesses, utiliza-se de vultuosas verbas de publicidade para propagar sua versão, o Novojornal disponibiliza para análise de seus leitores, o PAE Plano de Ações Emergenciais, por consequência o Dam Break dos cinco diques e quatro barragens de rejeitos, informando que neles a propagação da onda de ruptura, foi simulada só até o reservatório da UHE Baguari, no rio Doce, próximo a confluência do rio Doce com o rio Piracicaba, entre os municípios de Bom Jesus do Galho/MG e Marliéria/MG.

Revisamos o título desta matéria quase uma dezena de vezes e optamos por ser econômicos nos adjetivos, para não transformar uma matéria de alto interesse público em instrumento de pânico, porque os documentos falam por si. Nossa função é noticiar e dela não abrimos mão, outras medidas cabem aos Poderes constituídos.

PAE Plano de Ações Emergenciais Dique B2
PAE Plano de Ações Emergenciais Dique B3
PAE Plano de Ações Emergenciais Dique S 3
PAE Plano de Ações Emergenciais Dique S 4
PAE Plano de Ações Emergenciais Barragem Eixo 1
PAE Plano de Ações Emergenciais Barragem EBII
PAE Plano de Ações Emergenciais Barragem do Germano
PAE Plano de Ações Emergenciais Barragem Nova Santarém
PAE Plano de Ações Emergenciais Novo Dique dos Macacos

O projeto de Dam Break prevê o desenvolvimento de um Programa de Ações Emergenciais (PAE) com o objetivo do mapeamento das zonas inundáveis para o vale a jusante do barramento, considerando a ocorrência de um evento de ruptura do maciço da barragem, seja ele causado por galgamento ou erosão interna, considerando a pior hipótese.

O PAE é um plano elaborado para fornece diretrizes, estratégias, informações e dados que permitam a adoção de procedimentos lógicos, técnicos e administrativos em casos de acidentes e situações de emergência.

Embora todas as normas e estudos inclusive o divulgado pelo Ministério Público de Minas Gerais, determinem que: “ponto importante do regulamento é que a área de abrangência para avaliação do Dano Potencial Associado deverá compreender as barragens de jusante que disponham de capacidade para amortecimento da cheia associada ao rompimento. O chamado “efeito cascata”, e todos os diques e barragens do denominado Complexo do Germano explorado pela Samarco, estejam enfileirados, o estudo feito a pedido da Samarco, não considerou este fato.

Apenas em relação a Barragem Nova Santarém, o Dique S3 e o Dique S4 foram incorporadas ao sistema simulado da ruptura em cascata da Barragem Eixo 1, onde estão os rejeitos (Remanescente), do ocorrido em 2015.

Segundo técnicos consultados por Novojornal, se forem consideradas todas estruturas, praticamente triplica a Zona de Autossalvamento (ZAS).

De acordo com a Portaria do DNPM Nº 70.389 e com a Lei Ordinária 23.291/2019, a Zona de Autossalvamento – ZAS – refere-se à região cujo tempo de chegada da onda de cheia provocada pela ruptura da barragem é tão curto que se considera não haver tempo suficiente para uma intervenção das autoridades competentes em caso de acidente.

Incluso na Zona de Segurança Secundária – ZSS estão, Mariana, Barra Longa, Ponte Nova, Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado, Rio Casca, Sem Peixe, Raul Soares, São Pedro dos Ferros, Dionísio, São José do Goiabal, São Domingos do Prata, Córrego Novo, Pingo d’Água, Bom Jesus do Galho e Marliéria.

A Potamos Engenharia e Hidrologia Ltda., contratada pela Samarco, para o estudo da barragem do Germano, advertiu;

“A elaboração do PAEBM foi pautada nos resultados obtidos nos estudos de ruptura hipotética (Dam Break) da Barragem do Germano, Dique Selinha, Dique Sela Tulipa, Dique da Baia 3 e Dique Auxiliar desenvolvidos pela Potamos e apresentado sinteticamente no Item 4.6. Os estudos de propagação da onda de uma eventual ruptura da Barragem do Germano foram elaborados até o reservatório da UHE Baguari, onde é atendido o critério de parada do Dam Break, no município de Periquito/MG. No entanto, no presente PAEBM foram considerados os efeitos sobre as áreas sujeitas ao transbordamento do leito fluvial, no trecho que se inicia na Barragem do Germano e se estende até o Arraial do Merengo, no município de Santa Cruz do Escalvado/MG, região a jusante do reservatório da UHE Risoleta Neves.

Embora os estudos de Dam Break não apontem riscos de rompimento da barragem da UHE Risoleta Neves, a hipótese de ruptura desta estrutura não pode ser descartada. Nessas condições, a jusante da UHE Risoleta Neves é imprescindível o acionamento do PAE da referida usina hidrelétrica. Na chegada da onda de ruptura hipotética derivada do rompimento da Barragem do Germano, todas as comportas da UHE Risoleta Neves devem estar completamente abertas.”

Destaca-se, sobretudo, que os PAEBMs das barragens da SAMARCO estão articulados com o PAE da UHE Risoleta Neves. Nesse contexto, a proposta de infraestrutura de sistema de alerta (pontos de encontro, pontos de espera e rotas de fuga) apresentada neste documento está articulada com o sistema já implantado pela SAMARCO e Defesa Civil nas bacias dos rios Gualaxo do Norte e do Carmo após o rompimento da Barragem do Fundão e com o sistema de alerta da ZAS da UHE Risoleta Neves. A Zona de Autossalvamento (ZAS) apresentada no PAE da UHE Risoleta Neves se estende por aproximadamente 13 km a jusante do barramento, até Arraial do Merengo, em Santa Cruz do Escalvado/MG.

O sistema de disposição de rejeitos do Germano, é composto por 6 estruturas de contenção, a saber, Barragem do Germano (Maciço Principal), Dique Auxiliar, Dique Baia 3, Dique Selinha, Dique da Sela, Dique da Tulipae o barramento principal e empilhamento a jusante.

Estando inclusos no PAEBM Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração, da barragem do Germano, os municípios de Mariana, Barra Longa, Ponte Nova, Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado, Rio Casca, Sem Peixe, Raul Soares, São Pedro dos Ferros, Dionísio, São José do Goiabal, São Domingos do Prata, Córrego Novo, Pingo d’Água, Bom Jesus do Galho, Mariléia, Caratinga, Timóteo, Ipatinga, Santana do Paraíso, Ipaba, Bugre, Belo Oriente, Naque, Iapu, Periquito, Sobrália, o Fernandes Tourinho.

Tomando por base os critérios de classificação das deliberações normativas do COPAM n° 62, de 17 de dezembro de 2002 e nº 87, de 17 de junho de 2005 e o Relatório de Auditoria Técnica de Segurança, elaborado pela empresa GeoHydroTech Engenharia (Documento nº G102400-O-1RT048), o Barramento Principal da Barragem do Germano foi enquadrado, por suas características, como barragem de Classe III, com somatório de valores igual a 9, correspondente a Alto Potencial de Dano Ambiental.

O histórico dos diversos alteamentos da Barragem do Germano demonstra que nada estará seguro antes do seu descomissionamento, principalmente diante das mudanças climáticas que vêm aumentando o volume das chuvas exponencialmente.

Após sete anos, relatório elaborado pela 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Mariana do Ministério Público de Minas Gerais, de novembro de 2021, informou que há 203 famílias em reassentamento no subdistrito de Bento Rodrigues, 81 no subdistrito de Paracatu de Baixo e 136 no reassentamento familiar. Nove famílias optaram pela reconstrução da moradia no local de origem.

Conforme o relatório, no mês anterior, só dez casas tinham sido concluídas na nova comunidade de Bento Rodrigues e seis estavam em construção em Paracatu de Baixo. “Nenhuma família se mudou para as novas moradias, pois os reassentamentos não foram concluídos e há canteiros de obras instalados nas áreas.” Sobre o reassentamento familiar, o documento diz que 69 imóveis foram adquiridos, mas apenas seis casas entregues às famílias.

A Samarco protocolou proposta de plano de recuperação judicial aos credores, na qual propõe limitar novos aportes da mineradora nos programas de reparações devido ao rompimento de barragem em Mariana, segundo a agência de notícias Reuters.

Como esperar qualquer compromisso ou responsabilidade da Samarco, após o rompimento da barragem do Fundão? Mais uma vez, por cumplicidade do Governo do Estado de Minas Gerais e a omissão dos órgãos fiscalizadores, a população está entregue a própria sorte.